13 de abril de 2024
Gazal para Gaza (Gazal for Gaza)
25 de fevereiro de 2024
Praias (roteiro)
A: ontem não sonhei com você
sonhei foi com Canajurê
com praias compostas por outras praias
feito sonhos feitos de outros sonhos mais antigos
no sonho um pescador dizia: essa é a praia do pampo, amigo
Canajurê é outra, logo ali mais um tanto
confundindo a geografia das minhas memórias
já não sei, já não sei bem onde vivemos as histórias
eu e você somos praias distantes,
com suas marés em distintas trajetórias.
eu tentei, eu bem que tentei
e explicar aos outros não sei
por que nosso encontro
acabou em tempestade
o que eu queria e já tantas vezes
te disse era te amar até mais tarde...
por que, por que não conseguimos
semear a liberdade?
B: Você começa a falar e a angústia me invade
o amor que era pra ser leve,
leve feito floco de neve
no fim foi todo lava
que ferve, emerge,
lindo de se ver ao longe
mas que dói, na pele,
de quem se nele se atreve a mergulhar
e me deixa assim,
caminhante sozinho
nas areias de uma praia perdida
a liberdade não foi semeada
porque semear e amar são trabalhos
e o trabalho pra ser livre
não pode beber em certas águas
não pode ser refém da cobrança, do excesso e da mágoa
para o trabalho ser livre ele precisa querer
antes de lucrar, alimentar
antes de render, prover.
A: mas eu alimentei!!! só os deuses sabem
sabe quanta energia eu pus nessa tarefa
nessas 12, 30, 200 tarefas de amar
e eu posso provar, olha aqui,
olha aqui, e olha mais aqui!!
B: eu vi, eu vi, eu bem que te vi
eu te amo, mas não é sobre isso. é sobre não se
render a uma lógica que nos ensinaram
desde sempre: a de querer por cada gesto,
um outro gesto, como se o afeto tivesse roteiro.
roteiro de amar é não saber.
o amor não pode seguir a lógica do dinheiro
o amor não pode ser esse bem durável
de que a gente tem para sempre a posse
o amor não é um pedaço de terra cercado
o amor é toda a terra
ou seu nome é Gaia ou não é amor.
amor... Plantei flor e brotou... a vida está na água, rapaz.
A: Eu juro que entendo,
meu amor por ti é tão grande
que vou aprendendo pelo caminho
enquanto faço as trilhas da sua praia
mas pra mim é tudo muito difícil
esse amor é tão livre às vezes...
sem posse, sem garantia... que parece não ser nada!
B: é que não somos terra para ser posse,
mas posso ser abrigo, posso ser morada.
se a gente cuida, a gente faz uma longa longa longa caminhada
com gosto de pra sempre. o que não podemos é assinar um contrato.
novas regras da física. a contagem do espaço e do tempo precisa ser diferente.
aquele amor que a gente tinha era vidro e se quebrou.
quem sabe um dia ele se recicla
como as ondas reciclam outras ondas
como os sonhos reciclam outros sonhos.
eu amo você, adeus.
13 de fevereiro de 2024
Cachorrada (poética do amor livre)
Cachorrada sem mancada
sem neurose e sem roubada
se a gente troca as cartas e fitas tudo
não sobra qualquer furada
caminhada combinada
te amar vário e sem mistério
devagarinho eu me emaranho
feito rizoma e micélio
sem pressa eu te ganho
e com afeto e cadência
te tiro do sério
a minha vida por um fio
meu corpo em permanente
estado de cio
safado abano o rabo
desfilando pela calçada
sem me preocupar se você viu
porque aqui é cachorrada
liberdade concedida
habeas corpus pra safada
uivar na madrugada
Porque tudo isso é sobre o tempo
passando e mais nada
passar pelo teu corpo
como o vento, em lufadas
ainda tenho as costas arranhadas
da noite passada
eu fico mais bonito
com tua música à minha volta
o meu cheiro de flor combina
com a da tua pele pelada
sou feliz com ou sem você
mas sou mais criativo
sob a tua sentada
senhora cachorra
um beijo grego (no seu Rabo)
de duração prolongada
sem piada, que os gregos é que
sabiam fazer uma boa cachorrada
sem neurose sem roubada
cachorrada sincera compartilhada
cachoeira límpida na mata fechada
amor com raízes e sem hora marcada
te quero agora e mais nada
amor sem coleiras
sem calculadora, sem relógio
sem régua, sem comparações
sem troféus nas prateleiras
que você possa, quando quiser,
lutar em outras trincheiras,
que você possa, quando quiser
encontrar água e sombra em mim
e descansar à minha beira:
se tiver ocupado no sábado
estarei on segunda-feira
Porque tudo isso é sobre o tempo
passando e mais nada
passar pelo teu corpo
como o vento, em lufadas
ainda tenho as costas arranhadas
da noite passada
eu fico mais bonito
com tua música à minha volta
o meu cheiro combina
com o da tua pele pelada
sou feliz com ou sem você
mas sou mais criativo
sob a tua sentada
25 de dezembro de 2023
Ele
ombros largos feito montanha
desço seus braços em estado de
formigamento
cordilheira a noite inteira
a lhe devorar aos pouquinhos
o firmamento.
cai a chuva toda feita de espinhos
delicado, ele foge de cada gota
como se fossem sempre outras
pequenos barulhos lhe assomam
e eu, meu rosto de homem outro,
anuncio amor com os pés cheios de guizos
o esforço para não lhe ferir, no quarto,
os vestíbulos.
fracasso, feneço e tropeço à sua beira.
cordilheira a noite inteira
o melhor que faço é me fazer formiga
agora grito grito e não sou mais
ouvido nem firo
com paciência, reinício meu retiro
coloco o amor por ele nas costas
oitenta vezes mais pesado
do que meu próprio amor
e retomo pelos tornozelos
o desejo em ferrões
os zelos sob a forma
de deslizes e atropelos.
21 de novembro de 2023
Anatomia do Espectador II
será que tem câmeras nessa sala mofada?
certamente não... para que vigiar o filme?
que outro lugar podemos nos comer
de forma barata sem dar na vista?
(o filme está preso, diz o policial
ao projecionista)
vinícius de moraes falava
de um cinema dos olhos
abro o zíper, abaixa a calça
imorais fazendo um
cinema das mãos
(o filme está preso, diz o policial
ao projecionista)
seu Antônio deitado no piso
da sala de projeção
peito nu para afastar o calor
(erótico ao extremo, o cinema ferve
a sala de projeção)
queimam os cinemas
e as cinematecas
de vez em quando
feito meu rabo às
sextas-feiras
da cadeia o filme foge uma hora
com ajuda dos comparsas
o grande risco, no entanto,
antieros, antiheroi, o mofo
vai comendo pouco a pouco
os rolos, as histórias,
o meu e o teu corpo
26 de outubro de 2023
volto a tomar meu medicamento
minha resistência a amigar-se com outra droga
meu ódio à sensação de embotamento
ponho de lado por um tempo
em prol do casal de noias
Diagnóstico & Tratamento
volto a não ler bulas
volto a promover misturas
não recomendadas pela ciência
abro mais uma garrafa de vinho do porto
desviando do abuso e inconsciência
comemoro o fato de que não estou morto
tô vivo e isso não é pouco
comemoro pequenas alegrias e dias
enquanto a paz plena não chega
a saúde mental saiu para comprar um cigarro
e ainda não veio
o fato de que tudo mudo e gira o tempo todo
acerta minha bike psicodélica em cheio
as pessoas dizem:
é preciso cuidar com a
banalização das doenças mentais
dizem isso com a maior desfaçatez
e sem mais
voltam a submergir em suas redes sociais
é preciso cuidar de um SUS que não satisfaz
um diagnóstico por vezes é caro, custoso, lento
corta pra minha mãe acordando cedo no relento
pra conseguir um médico que lhe cuide dos mil problemas
por ser pobre, mulher, idosa
precisando mentir sentir dores fortes
em pleno outubro rosa
porque do contrário
medirão sua pressão, e a pegando pela mão
a convidam a tentar consultar outro dia
é esse o sistema de que dependo
e por isso que não entendo
quem perde tempo fazendo fios e reels
cagando regra moral sobre saúde mental
enquanto o conselho municipal
de saúde vai ficando vazio
lá tiktoker de saúde não brota pra dar um pio
Eu quero saber
se a bupropiona
funciona
se a ritalina mais atina
que desatina
se a libido pode vir
em comprimido
se posso misturar vida
com drogas e drogas
assim por tantos anos
sem graves danos
se o doutor que as prescreve
em vinte anos se atreve
a fazer consigo o inventário
de efeitos colaterais
a quem interessam
poemas sonoros e virtuais
o ser e tempo da poesia?
certamente não ao poeta
paciente na sala de espera
de sua agonia.
Eu quero saber que horas chega a minha paz
Eu quero saber
quando vão banalizar política pública
quando as bobagens que nas redes e ruas são escutadas
serão pela escuta verdadeira confrontadas
por que isso sim curaria
mais escuta, mais costura,
informação, acolhimento, terapia
e enquanto a paz não chega,
vale o conselho da mãe da WD,
vai, seja forte, e volte viva
18 de outubro de 2023
Stella, é hora do seu remédio
prescritos por várias senhoras vários senhores
para o pé para a mão para o rim pra bexiga
para todos os tipos de dor de barriga
minha mãe me dava meu pai não
na veia na boca na ponta dos cabelos no joelho
mas os remédios de cabeça minha mãe não dava
eles não existiam
nos remédios pra cabeça minha não acreditava os remédios pra cabeça eram
prescritos por várias senhoras vários senhores
era eu que dava os remédios para eles eu que ligava pra eles e para os remédio
quando eu nasci falavam mal desses remédios
e hoje falam ainda mais meus amigos falam
minha mãe fala minha professora fala meu pai não
alguns remédios dão dor de barriga mas eu tomo
pra passar outras dores
tento anotar num papel quais as dores mais importantes
para avisar a minha mãe, aos senhores, as senhoras, meu pai não
um dia eu espero que minha mãe acredite nos remédios para que depois eu acredite
mas isso vai ser depois de tomar os remédios porque já os tomei por anos, ainda estou tomando vou tomar agora inclusive peço a você licença
27 de agosto de 2023
oi, tudo bem?
há quanto tempo não te vejo
um trem-ave me atravessando
demorasse mais um tanto
têm seu quê de aprendizado
sem vivalma do meu lado;
por todos os lados
um trem frenesi
me atravessando
sem freio
sob o fogo
dos vícios
há quanto tempo não te vejo
um trem-flor me atravessando
pintasse a boca mais um tanto
ainda segue o trem
o impulso ao nada
que mais posso fazer para além
oi, que há por aí nas antenas?
26 de julho de 2023
CUIDADO MADAME
eu sou maria gladys, você helena ignez
a vida chama às oito, mas só colamos às três
eu sou rato fudido, vc é rata fadada
arte improviso, pixo na praça
isqueiro roubado, cerveja barata
cinema de margem, desejo fumaça
feminino plural, sexo vampiro
quando ninguém mais espera
trilha arromba cena, no herói me atiro
quando ninguém mais ousa y quer
roubamo o cofre das vanguardas,
comemo o cânone de colher
vc uma homem eu um mulher
pra nois nenhum kikito
pra nois nenhum pouquito
desses grammys gremlins jabutis
os mil y outros quelônios
que esses demônios criam
para se sabonetear eu y tu
na cadeia eu y tu sem nada
escrito no lattes em nossa
novela sempre fora do ar
eu y tu sarrando y sarnando
modo cachorrada chanchada
sem osso sem moral sem paga
nos matam nos julgam nos apagam
a gente vai e mais grita se esfaqueia
droga barata injetada na veia y rodeia
y borra y apaga y goza outra vez
você maria gladys, eu helena ignez
25 de junho de 2023
questões de poesia
saber o que mallarmé
comia para lhe conter a
azia já não dá mais pé
o que michaux queria do poema
não é tão relevante ao poeta
quanto saber o valor do michê
o poeta quer saber
se a bupropiona
funciona
se a ritalina mais atina
que desatina
se a libido pode vir
em comprimido
se pode misturar vida
com drogas e drogas
assim por tantos anos
sem graves danos
se o doutor que as prescreve
em vinte anos se atreve
a fazer consigo o inventário
de efeitos colaterais
a quem interessam tais carestias,
poemas sonoros e virtuais,
o ser e tempo da poesia?
certamente não ao poeta
paciente na sala de espera
de sua hipocondria.
17 de junho de 2023
Carta de amor
Os yanomami acreditam que, quando se sonha com alguém, é porque aquela pessoa está pensando muito na gente, contrariando a lógica psicanalítica de que a imagem do sonho fosse algo represada aqui, em quem sonha. Eu te pergunto: tens pensado em mim?
Meu grande amor,
Pq meu coração demi tá vazio, eu demoro muito para me apaixonar.
E quando me apaixono, é sempre um amor cometa intenso que passa uma vez na minha vida
e depois só volta na próximo século.
Já recitei muitas vezes esse ano o poema sobre minha amiga cris, em que falo sobre demissexualidade. Ser demi e sapio é me atormenta. Falar sobre isso é como sair de um segundo armário, um armário dentro do armário de que todes nós saímos - ou ainda vamos sair.
O nascimento dele mudou tudo. Me fez rever e bagunçou cada aspecto de quem sou: sexualidade,
masculinidade, sonhos de trabalho e faculdade. Ser pai tem sido uma viagem do caralho, repleta de amor, surpresa e tensão. Téo vai fazer cinco anos daqui a 3 dias, no dia 20 de Junho. Téo, eu quero sempre sonhar com vc, porque de vc gosto demais.
16 de junho de 2023
lá em casa, depois do trabalho. Fechado?
15 de junho de 2023
Ratoeira (segunda versão)
Meu cravo encarnado, meu manjericão
Dá 3 pancadinhas no meu coração...
vai embora o velho amor
no mesmo trem desce outro novo
cansado de vai e vem me faço nuvem
e eu chovo eu chovo e chovo
Vão rodando vão se amando
O amor velho e o amor novo
Vai girando meu planeta
Entre o sol e a lua
O que quer que eu peça ao vento
acabo sempre na mesma rua
Na mesma rua!
Na mesma porta mesma cama
meus versos se enroscando
pelas mesmas costas nuas
- Ah, não! Amor velho, não!
Eu não quero o teu amor
Já não quero essa roubada
Eu não quero o teu amor
Eu amo mesmo a cachorrada
Vem chegando novo amor
levo ele então pra roda de Ratoeira
Pra comigo a dois trovar
Tecer o canto, o rolê das rendeiras
Pq além de fazer verso
homem tem que saber fiar!
Vem chegando novo amor
levo ele então pra roda de Ratoeira
que resiste na Caeira
Pra fisgar sua atenção
Mas ele me escapa na Capoeira
por uma fresta no meu coração
Ele sempre tão envolvente,
chamando nas ideia divergente
Com seus mil corres, lutas e fitas
Fora as responsa fora o batente
Fora essa foda em frações capitalistas
Foda-se esse amor monoculturado!
A plantar organicamente amor no mundo
eu e você lado a lado
Te amar no Moçambique,
Te amar no Campeche,
Te amar na Galheta
Ser pescado por teu pau na minha boca
Navegar nas águas da tua buceta
Foda-se esse amor monocultivado!
Esse amor mídia que se faz
hoje no presente pelas redes
É muito mais careta
que o que se fazia
Em outras redes em
Em anos passados
Hey, Te amar no Carianos
por muitos e muitos anos
Te amar no Rio Vermelho
fodendo igual dois coelhos
Te amar no Monte Verde
Eu e tu contra a parede
meu cravo encarnado, meu manjericão
três tapas bem dados nesse rabão
meu galho de malva, meu buquê de flor
te encontro na esquina entre o prazer e a dor
Ah, não! lá vem ele, o velho amor
chega depois de muitos anos
com um segredo pra contar
já não sou mais o mesmo
meu corpo fora de lugar
chega depois de muitos anos
com um segredo pra contar
cola então no meu ouvido:
me aperta forte vou gozar
chega depois de muitos anos
com um segredo pra contar
supero o ranço que de ti tenho
e enfim me ponho a te escutar:
"falaí cuzão, se não falou
que queria falar?"
"vc vai me ouvir, vc vai guardar bem?"
"vou, e te dou uma só estrofe:"
meu cravo encarnado, meu manjericão
dá três pancadinhas no meu coração
meu galho de malva, meu buquê de flor
nascestes no mundo para ser meu amor...
11 de junho de 2023
Ratoeira (Roteiro)
Meu cravo encarnado, meu manjericão
Dá 3 pancadinhas no meu coração... (lento, em cantilena)
vai embora o velho amor
no mesmo trem desce outro novo
cansado de amar me faço nuvem
e eu chovo eu chovo e chovo
vai embora o velho amor
vai de jegue, a trote lento
e por isso me atormento
vai embora o velho amor
vai a jato, vai de avião
mergulho então na cachorrada
embarco na carreta furacão
Vão rodando vão se amando
O amor velho e o amor novo
Vai girando meu planeta
Entre o sol e a lua
O que quer que eu peça ao vento
acabo sempre na mesma rua
Na mesma rua!
Na mesma porta mesma cama
meus versos se enroscando
pelas tuas costas nuas
Já não quero essa roubada (lento, parodicamente em cantilena)
Eu amo mesmo a cachorrada
Vem chegando novo amor
chamo ele então pra roda de Ratoeira
Pra comigo a dois trovar
Tecer o canto, o rolê das rendeiras
Pq além de fazer verso
homem tem que saber fiar!
Vem chegando novo amor
Chamo ele então pra roda de Ratoeira
que resiste na Caeira
Pra fisgar sua atenção
Mas você me escapa na Capoeira
Você Me escapa feito um rio
a cortar meu coração
Você sempre tão envolvente,
chamando nas ideia divergente
Com seus mil corres, lutas e fitas
Fora as responsa fora o batente
Fora essa foda em frações capitalistas
Foda-se esse amor monocultivado!
A plantar organicamente amor no mundo
eu e você lado a lado
Te amar no Moçambique,
Te amar no Campeche,
Te amar na Galheta
Ser pescado por teu pau na minha boca
Navegar nas águas da tua buceta
Foda-se esse amor monocultivado!
Esse amor mídia que se faz
hoje no presente pelas redes
É muito mais careta
que o que se fazia
Em outras redes em
Em anos passados
Hey, Te amar no Carianos
por muitos e muitos anos
Te amar no Rio Vermelho
fodendo igual dois coelhos
Te amar no Monte Verde
Eu e você contra a parede
meu cravo encarnado, meu manjericão (ágil, mesmo tom das outras estrofes)
três tapas bem dados nesse rabão
meu galho de malva, meu buquê de flor
te encontro na esquina entre o prazer e a dor
chega depois de muitos anos
com um segredo pra contar
já não sou mais o mesmo
meu corpo fora de qualquer lugar
chega depois de muitos anos
com um segredo pra contar
cola então no meu ouvido:
me aperta forte vou gozar
chega depois de muitos anos
com um segredo pra contar
supero o ranço que de ti tenho
e enfim me ponho a te escutar:
"falaí cuzão, se não falou (Usar voz / posição no mic pra indicar novo personagem)
que queria falar
falaí, te dou uma estrofe:"
meu cravo encarnado, meu manjericão (em cantilena, reduz o ritmo nos 2 versos finais)
dá três pancadinhas no meu coração
meu galho de malva, meu buquê de flor
nascestes no mundo para ser meu amor...
26 de maio de 2023
Na prateleira...
ali não, nos livros, fechados ou abertos, não estou.
ali, na prateleira da cozinha,
aquela mais embaixo,
entre temperos quase vencidos e ingredientes
só usados de vez quando, quando lhe apetece um bolo,
ali, numa sacola plástica dobrada, estou todo dia.
nas mensagens que mandei essa manhã,
nos áudios que mandei essa tarde,
ali não estou.
ali, entrando e saindo de portas,
mas não me ouve,
nessa festa não estou.
agora que não estou mais,
13 de maio de 2023
eros cura a depressão?
as várias mensagens por
responder e as fotos
por curtir dizem: não
hoje não, Hades,
voltes mais tarde
que não saio de casa:
a pia está cheia,
o drive está cheio,
pendurado no varal
meu par de asas.
eros cura a depressão?
o trabalho que dá abrir-se
em poemas, sessões de terapia,
conversas, esquemas, receituários,
o afeto sempre a mordiscar
o esmilinguido salário,
o leitor sempre com
um conselho ligeiro à mão,
não não não não!
tem horas que eros
é um baita cuzão
e o depressivo faz
o papel de otário.
por que se demora na tristeza,
ele não vai trocar o disco?
por que ignora a face psicossocial
de sua enfermidade
para enfim curá-la,
ela não tem essa vontade?
por que insistem em ladainhas
pirão ralo d'água
solidão e farinha,
por que não vivem
o agora, o hoje,
por que não dizem:
não choro, não saboto,
não reclamo, nem de mim nem de você,
pernas para que te quero, Eros!
hoje só quero meu gato ao meu lado
quem te viu, quem te vê, Psiquê!
online hoje apenas para
skincare e autocuidado,
hein, hein? por quê?
eros cura a depressão?
sim! e não.
quando se encontram na rua
de madrugada
voam garrafas
e comprimidos
e saem os dois na mão.
no outro dia, de ressaca,
um se levanta atrasado e vai trabalhar,
e outro confere discretamente
o celular, deixa um ou dois likes,
e depois mete o pé.
26 de abril de 2023
meu poete preferide
e eu passava a tarde inteira lendo seus poemas no sofá
tinha um chamado Porquinho da Índia
no qual ele arrematava que o porquinho da índia
tinha sido sua primeira namorada.
eu mudei muito desde essa época
mas essa ternura geral por todos os seres,
ainda precisa ser repetida, semeada, recriada em novos poemas e exposta,
como um estandarte, um escudo, uma bandeira.
tem uma fita gramatical aí que tem gente
meu poete demissexual preferide é a WD,
pra quem deixo um beijo.
não só o poema que diz
meu poete preferide é Adão Ventura.
um poeta já falecido, a ser redescoberto,
como muitos escondidos artistas pretes do cânone branco.
meu poete preferide é ana cristina césar.
descobrir seus livros foi uma paixão avassaladora, em nada diferente dos grandes amores que tive de carne e osso, porque eu não sei separar muito bem os afetos em prateleiras, os vivos e os mortos, os próximos e o distantes - acho besteira. como eu, ana c. amava cartas, poesia. como eu, ana c. estudou Letras e lutava contra a depressão. hoje tenho 32 anos. ana c. tinha 31 quando partiu. ana c. cadê você?
meu poete preferide é a belaisa, que acabou de se apresentar/que ainda vai se apresentar. gosto do jeito que ela junta & bagunça as palavras, acho que ela envolve mto bem a gente numa trama quando fala. e aí ela ainda fala com aquela voz dela... ai.
meu poeta preferide é meu filho téo. ele, como toda criança que tem seu direito ao amor e à escuta atendidos, diz poemas maravilhosos. ele tem 4 anos e disse que quando fizer 44 vai ganhar um patinete de aniversário.
meu poete preferide é a Suellem, que não sabia, até outro dia, que esse slam iria ocorrer.nos encontramos por acaso e lhe contei que havia um lugar onde era prazeroso ver e ouvir o som, a imagem, o corpo e o sentido.
23 de abril de 2023
Cheiro de Amor (Roteiro)
Feito fumaça num quarto fechado
Você tomou conta dos quatro cantos
Acende um cigarro, queima a brasa
Eu sou o quarto, tu a fumaça (cantado)
[tosse e afasta a fumaça com os braços
como se espanasse uma nuvem de fumaça pra fora do quarto]
De novo sinto o cheiro de amor no ar:
cebola & alho, o par perfeito, bem picados,
numa panela a refogar.
Batata Laranja, Abóbora Cabotiá
Batata Rosa, Gengibre, Alface
As frutas e legumes compõem
seu prato, decoram sua casa;
há um aroma vegetal por seu corpo,
seu sexo, sua face.
Cheiro de alho nas mãos dela
uma nova forma de se preparar berinjela
ela vai e vem
de um lado a outro da cozinha,
à procura de uma certa faca,
uma seda, um abridor, uma tigela.
Chá de Malva, Hortelã
Azedinha, Ora pro Nobis, Salsão
Ele conhece as pancs,
e está sempre a aprender uma nova receita
macarronada de palmito,
pasta de amendoim caseira
pesto vegano de manjericão
ele macera bem os ingredientes
pra logo mais nos macetarmos entre a gente
nus pelo chão
Não bastasse todas as coisas
em que se esmera
sabe ainda fazer
delícias com nabo
legumes com quem
não tinha me amigado
conversam comigo
em seu refogado
lugares de sabor
em que nunca tinha estado:
saio dali sem nunca mais vê-lo
mas levo comigo o seu tempero
As cenouras de molho
pra durarem mais
beck bolado com alecrim
pra ficar rapidim em paz
os grãos no remolho
pra remoção de fitatos
a fumaça subindo da cozinha
em direção ao quarto...
Outra vez sinto o cheiro de amor no ar:
Bethania e Itamar, o par perfeito,
servidos sobre a cama e sobre a mesa
A louça lavada, a roupa amassada
chocolate 80% cacau ou eu, escolha a sobremesa
seus ombros largos me envolvem
suas coxas me prendem
e chapo no cheiro de flor que seu corpo tem.
ei! te amar ainda
num mundo repleto
de gente linda
e carente de toque e afeto
me causa muito embaraço
por isso escrevo, traço e retraço
teu rosto em mil poemas
preferiria tretas e esquemas
suco de umbu, sorvete de pitaya
preferiria tardes de chapo
sem olhar para o relógio
eu entrego o meu corpo, é lógico!
para novos cultos, em novos altares
eu juro que mergulho fundo pelos ares
e o amor agora, o amor hoje
corre indiferente a esse Amor, Ainda
que por dentro me arde
e como se não bastasse
ainda me enche de embaraço
eu tô tentando te manter no peito
mas a fumaça ocupa muito espaço
Sinto de novo o cheiro de amor no ar.
Na sua cozinha há sempre um aroma novo
de plantas a emergir das panelas
ela vai e vem
de um lado a outro
da minha vida
e os meus poemas...
têm o cheiro dela.